
Ouvi, certa vez, que a bebida adulterada é a nova roleta russa dos bares e festas. Ultimamente, não faltam notícias sobre destilados misturados com etanol e outras substâncias que transformam o prazer momentâneo em risco de morte. Mas, pensando bem, o álcool em si já é uma forma de envenenamento lento — legalizado, socialmente aceito e romantizado como se fosse símbolo de alegria. Talvez essa onda de adulteração sirva, ironicamente, para nos lembrar do quanto essa relação é perigosa.
Falo com propriedade, pois já fui consumidor de álcool. Não daqueles que se embriagam todos os dias, mas o suficiente para entender como o vício se infiltra sem pedir licença. Primeiro é um brinde, depois é um hábito, e quando menos se percebe, torna-se uma necessidade. O álcool, sorrateiro, promete relaxar, mas cobra caro. Causa danos profundos ao fígado, ao sistema nervoso, ao coração. Corrói a saúde física, destrói o sono, enfraquece a imunidade. Mas o que ele faz com a mente é ainda mais cruel — entorpece, embota as emoções e, muitas vezes, alimenta a tristeza que ele mesmo diz aliviar.
O álcool é um mestre da ilusão. Ele te faz rir para depois te deixar vazio. Te faz sentir corajoso para depois te mostrar o ridículo. Quantas relações não desabaram sob o peso de uma garrafa? Quantos empregos, sonhos e afetos foram perdidos entre um copo e outro? Ele afasta os amigos sinceros e aproxima as más companhias; transforma pessoas doces em ferinas; quebra famílias inteiras em nome de um prazer efêmero.
Mas há saída — e ela começa no instante em que se reconhece o problema. O primeiro passo é admitir a fragilidade, e o segundo é buscar ajuda. A fé, a família e o apoio psicológico são pilares fundamentais nesse processo. É preciso aprender a redescobrir a alegria sem o álcool: a música continua boa, as conversas continuam ricas, a vida continua cheia de motivos para celebrar — só que agora com lucidez. Vencer esse vício é, sobretudo, um ato de amor-próprio.
Eu venci. Não sem quedas, não sem lutas internas. Mas venci. Hoje, a clareza com que enxergo o mundo é o verdadeiro brinde que a vida me deu. E confesso: é infinitamente melhor saborear um café quente com amigos verdadeiros do que qualquer gole que me faça esquecer quem sou.
Jairo Lima é escritor, poeta e artista plástico