É triste constatar que, logo no início de muitos mandatos no Brasil, uma das primeiras ações de um gestor público seja a repintura dos bens móveis e imóveis públicos. Não raro, vemos prédios municipais, escolas, frotas de veículos e até uniformes escolares ganhando novas cores, quase sempre refletindo as preferências partidárias ou até o gosto pessoal do novo governante. Esse fenômeno é muito comum e, além de ser uma prática patrimonialista e atrasada, acarreta grandes desperdícios financeiros para os cofres públicos.
O que motiva essas mudanças? A ideia parece ser simples: apagar qualquer vestígio deixado pelo antecessor, como se uma nova cor fosse capaz de distanciar o atual gestor do legado de quem o precedeu. Mas o que muitos esquecem é que o dinheiro gasto nessas reformas visuais não é do político em questão, e sim do contribuinte. Trocar a identidade visual da cidade apenas para reafirmar um novo poder, muitas vezes sem qualquer justificativa prática ou estética, é um claro desrespeito ao erário.
É importante questionarmos a utilidade dessas ações. Se as cores dos prédios e fardamentos já atendem a uma identidade neutra ou oficial, por que alterá-las? O uso das cores da bandeira da cidade, por exemplo, é uma opção que poderia ser muito mais econômica e estável. Esse padrão evita o gasto recorrente com repinturas a cada novo governo, mantendo uma identidade institucional atrelada à história e ao símbolo do município, e não aos caprichos de um gestor temporário.
Existe, inclusive, uma legislação no Brasil que tenta coibir essa prática. A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101, de 2000) impõe limites aos gastos públicos e busca garantir a transparência e o uso eficiente dos recursos públicos. Embora não trate especificamente da repintura de prédios e da mudança de fardamentos, o espírito da lei é claro: o gestor tem a responsabilidade de zelar pelo dinheiro público, evitando desperdícios. Despender recursos com mudanças cosméticas que pouco ou nada contribuem para a melhoria da vida dos cidadãos é, no mínimo, questionável.
Em alguns estados e municípios, essa prática tem sido alvo de críticas e, em casos específicos, ações judiciais foram movidas para impedir a alteração de cores com finalidade meramente política. No Maranhão, por exemplo, foi instaurada uma Ação Civil Pública para proibir que o governador da época pintasse prédios públicos nas cores de seu partido, alegando que a prática constituía promoção pessoal e configurava desperdício de recursos públicos.
Fora do Brasil, países como a Alemanha ou os países escandinavos adotam uma postura muito mais rígida e racional em relação à gestão pública. Por lá, as cores de prédios públicos e escolas são fixas, baseadas na neutralidade e no uso das cores oficiais de cada cidade ou estado. Isso evita que cada nova gestão sinta a necessidade de “marcar território” com alterações visuais, preservando a estabilidade administrativa e economizando recursos que podem ser melhor utilizados em áreas essenciais, como saúde, educação ou infraestrutura.
Ao olharmos para esses exemplos, fica claro que o Brasil precisa evoluir. Precisamos de gestores que entendam que o dinheiro público deve ser tratado com respeito e não como ferramenta para afirmação pessoal ou partidária. O uso de cores neutras ou oficiais deveria ser o padrão, e qualquer alteração que gere despesa significativa precisa ser amplamente justificada, com base em critérios técnicos, não políticos.
No próximo pleito, cabe ao eleitor estar atento a essas práticas. Se o gestor gasta com mudanças que, na prática, só servem para apagar os rastros de quem veio antes dele, talvez ele não esteja tão comprometido com o que realmente importa: a melhoria da qualidade de vida da população. Afinal, as cores do dinheiro público não são nem vermelhas, nem azuis, nem verdes. Elas são as cores do esforço de cada cidadão que contribui com seus impostos, e devem ser tratadas com o devido respeito.
Jairo Lima é membro da Academia Cabense de Letras, artista e gestor público