
O debate recente sobre a proibição da progressão continuada na educação básica brasileira ganhou força com a ida do ministro Camilo Santana à Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, marcada para 23 de julho passado, para discutir o Projeto de Lei 5136/2019. Trata-se de iniciativa que pune aquela prática educativa que permite ao aluno avançar de série mesmo sem ter atingido os objetivos de aprendizagem, defendida como estratégia para evitar a repetência e a evasão escolar.
Embora o propósito de evitar o abandono escolar seja legítimo, a progressão continuada acabou se convertendo num efeito colateral: tornou-se uma forma de mascarar os reais indicadores da educação. Especialistas têm alertado que promover alunos sem pleno domínio dos conteúdos gera defasagens acumuladas. O relator na Câmara, deputado Nikolas Ferreira, ressaltou que “a promoção automática leva à progressão de alunos sem a devida compreensão dos conteúdos, resultando em deficiências acumuladas ao longo dos anos”, enfaticamente destacando ainda relatos de professores que se sentem “desmotivados ao ver alunos progredindo sem terem alcançado os objetivos mínimos de aprendizagem”.
Esse conjunto de evidências não deixa margens: avançar sem aprender aprofunda lacunas no aprendizado, prejudicando o futuro acadêmico dos estudantes. A própria Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) já identificou o fracasso da repetência como medida disciplinar, pois, embora seja eficaz em alguns contextos, ela castiga principalmente os alunos mais vulneráveis e contribui para a chamada “distorção idade-série”, com impactos negativos no sentimento de pertença à escola.
Ou seja, tanto a progressão automática quanto a repetência imposta sem apoio estruturado podem ser danosas, o cerne da questão está na falta de políticas robustas de apoio. A ONG Todos Pela Educação critica a proposta de proibição dizendo que “reforça desigualdades ao punir com a repetência alunos que não atingem os objetivos, ignorando as causas estruturais dessa defasagem”. Mas admitem que o modelo seriado tradicional também falha na solução do problema.
Apesar disso, é inegável que a progressão continuada, quando mal implementada, esconde o fato de que muitos alunos estão avançando sem domínio real do conteúdo. “A progressão continuada pode prejudicar os alunos, no sentido de que eles estarão em uma série mais avançada sem possuir os conhecimentos básicos”. Ou seja, o avanço é ilusório e cria uma falsa sensação de que tudo está indo bem na educação, enquanto as deficiências vão se acumulando de forma silenciosa.
Nesse cenário, a escola e o sistema educacional acabam submetidos a uma distorção: indicadores superestimados (mais alunos “aprovados”) em detrimento de um aprendizado de profundidade. Essa falsa elevação estatística mascara fragilidades reais. A repetência sem reforço, por outro lado, também falha. A solução não está em proibir ou manter a progressão automática como prática única, mas em fortalecer políticas de recuperação estruturada, com reforço pedagógico de qualidade e avaliação eficaz, acompanhadas por professores capacitados. É preciso garantir que cada avanço de série reflita, de fato, o aprendizado adequado, combatendo tanto o fracasso invisível quanto o retrato exagerado de sucesso exclusivo.
Essa crítica encontra eco nos dados do PISA, Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, que revela a face concreta do insucesso escolar disfarçado por índices de aprovação. Em sua última edição (2022), os estudantes brasileiros obtiveram médias de 379 em Matemática, 410 em Leitura e 403 em Ciências, todas significativamente abaixo da média da OCDE. O dado mais alarmante, no entanto, é o percentual de estudantes que não atingem o nível mínimo de proficiência: 73% em Matemática, 50% em Leitura e 55% em Ciências. Apenas entre 1% e 2% dos estudantes brasileiros conseguem alcançar os níveis mais altos de desempenho.
Ou seja, muitos jovens chegam aos 15 anos, idade-alvo do PISA, tendo progredido nas séries escolares sem dominar sequer habilidades básicas. O suposto avanço escolar não se traduz em aprendizagem efetiva. O PISA expõe o que os boletins escondem: a educação brasileira tem promovido mais do que ensinado. E essa “educação que finge ensinar” compromete o presente e o futuro de milhões de estudantes.
Organizações como o Todos Pela Educação alertam que a resposta não está na simples proibição da progressão continuada, mas na criação de redes estruturadas de apoio à aprendizagem. O Instituto Ayrton Senna reforça que os resultados ruins no PISA não são causados apenas por uma prática ou outra, mas refletem problemas estruturais: alfabetização precária nos anos iniciais, desigualdades de oportunidade, falta de avaliação formativa, ausência de políticas de recuperação e uma formação docente que não dá conta da complexidade do desafio educacional brasileiro.
O debate em curso, portanto, não se reduz à proibição ou manutenção da prática, mas a uma reflexão profunda sobre como estruturar um sistema educacional que equilibre equidade, qualidade e responsabilidade. A máscara dos bons índices precisa cair para que possamos enfrentar as lacunas do ensino, promovendo não apenas acesso, mas aprendizagem efetiva. Somente assim a escola cumprirá seu papel formativo íntegro, com justiça, verdade e resultados reais.
Jairo Lima é membro da Academia Canbense de Letras, artista plástico e pós-graduado em gestão pública.