
No fim de abril de 2025, o Supremo Tribunal Federal(STF) declarou inconstitucionais as leis que proibiam o uso da linguagem neutra em escolas e repartições públicas. A decisão, embora juridicamente alinhada com princípios constitucionais como a liberdade de expressão e identidade, está longe de ser abraçada pelas administrações municipais. A adesão é baixa e não apenas por conveniência ou falta de preparo, mas por razões evidentes, muitas delas com claro fundo político, mas também com base em argumentos sólidos que merecem atenção.
A linguagem neutra, ao contrário do que se tenta afirmar em algumas militâncias, não é uma evolução gramatical reconhecida, mas sim uma construção ideológica. O uso de termos como “todes”, “elu”, ou “amigues”, embora vise a inclusão de pessoas não-binárias, não encontra respaldo na gramática normativa da língua portuguesa — a mesma gramática que estrutura o ensino, a redação oficial e os concursos públicos.
É fundamental lembrar: a norma culta não é inimiga da inclusão. Ela é uma convenção que permite a clareza, a padronização e a compreensão mútua em ambientes formais. Inserir variações gramaticais não reconhecidas oficialmente nesse contexto é como tentar escrever leis em dialetos improvisados — abre margem para ruídos, confusões e até disputas legais desnecessárias.
Agressão à língua ou evolução natural?
Defensores da linguagem neutra alegam que a língua está em constante transformação o que é verdade. Mas mudança linguística legítima não acontece por imposição política ou por decreto social; ocorre organicamente, com base no uso e na aceitação popular. Tentar forçar a entrada de formas que não seguem a lógica gramatical tradicional é uma agressão disfarçada de evolução.
Além disso, há impactos práticos sérios. Inserir linguagem neutra em materiais didáticos pode atrapalhar o aprendizado, especialmente de crianças em fase de alfabetização, estudantes com dislexia ou outras dificuldades cognitivas. Em vez de incluir, acaba excluindo. E isso é um paradoxo que precisa ser discutido com mais honestidade.
O risco da desorganização institucional
Na esfera pública, onde a clareza e a formalidade são pilares, a linguagem neutra representa um risco: ela compromete a inteligibilidade dos documentos, torna mais confusa a comunicação oficial e mina a padronização essencial para a gestão pública eficiente. Imagine um edital de concurso ou uma lei municipal escrita em linguagem neutra. A dúvida que paira não é apenas gramatical, mas jurídica.
Em tempos em que se fala tanto em modernização da gestão pública com automação, plataformas de atendimento e dashboards de controle, a base linguística dos processos precisa ser sólida. A clareza na comunicação institucional é essencial para o funcionamento da máquina pública, e não se pode abrir mão disso em nome de modismos linguísticos.
Respeito à identidade, sim, mas com responsabilidade
É preciso deixar claro: defender a norma culta não é sinônimo de negar a existência ou os direitos das pessoas trans e não-binárias. O respeito à identidade de gênero deve estar presente no atendimento, no trato e nas políticas públicas. Mas isso não exige a subversão das regras gramaticais formais.
Portanto, se os municípios estão relutando em adotar a linguagem neutra mesmo após o STF liberar seu uso, isso não é teimosia ou preconceito. É uma defesa responsável da funcionalidade, da clareza e da tradição da língua portuguesa. Política pública séria se faz com inclusão, sim, mas também com critérios técnicos, bom senso e responsabilidade institucional.
Jairo Lima é membro da Academia Cabense de Letras, artista plástico e pós-graduado em gestão pública