Em tramitação no Senado brasileiro, a legislação que rege o mundo digital no país está caminhando para grandes mudanças. As discussões em torno da reforma do Código Civil estão se debruçando em temas atuais, inseridos no dia a dia de cada cidadão, em um cenário completamente diferente de duas décadas atrás, quando foram criadas as normas vigentes. O ambiente digital e as infinitas possibilidades da tecnologia mudaram a realidade e exigências de uma nova regulamentação jurídica.
Quando o dono de um perfil com milhões de seguidores em uma rede social que gera uma verdadeira fortuna para o seu proprietário morre, como fica a sucessão deste perfil? E quando o mesmo acontece com um usuário do kindle? Com quem fica o seu acervo? O perfil pós-morte pode ser utilizado e até virar um memorial através de terceiros? Qual o limite do que é ético e do que é invasivo? Essas e outras perguntas, por mais estranhas que pareçam, já são bem reais.
Tarefas corriqueiras, sobre a validade de um print de WhatsApp em um processo, vendas online em um único clique excluindo-se a prerrogativa de manipulação e até a simplificação de contratos firmados digitalmente, além de ajustes nos formatos de assinaturas digitais, criptomoedas, jogos online ou tudo o que envolve valores pecuniários também estão no centro dos debates. Nem o uso de implantes de chips cerebrais, vistos por alguns como ferramenta para a manipulação do livre arbítrio, ficou fora das polêmicas em discussão.
Direito Digital
Para as respostas necessárias, está em discussão na comissão do Senado Federal uma proposta inédita. Um livro dedicado exclusivamente ao Direito Digital, após a definição da criação de um grupo de trabalho aprovada neste mês por uma comissão de juristas. O novo livro deve se dividir em nove capítulos, cobrindo uma ampla gama de temas relacionados ao mundo digital e suas implicações legais. Entre eles, questões como pessoas no ambiente digital, situações jurídicas específicas desse meio, a necessidade de um ambiente digital transparente e seguro, o tratamento do patrimônio digital, além de aspectos relacionados a crianças e adolescentes, inteligência artificial, celebração de contratos, assinaturas eletrônicas e atos notariais eletrônicos.
“Não está se discutindo apenas a regulamentação de situações que já acontecem, mas as que podem acontecer num futuro breve”, resume Maria Wanick, especialista em Proteção de Dados do escritório Escobar Advocacia. A advogada ressalta a importância da adaptação do Direito ao ambiente digital com a participação mais ativa da sociedade sobre os próximos passos a serem seguidos. “A inclusão do Direito Digital no Código Civil brasileiro representa um passo necessário para lidar com os desafios legais apresentados pelo mundo digital. À medida que a tecnologia avança é essencial que as leis estejam preparadas para as mudanças, garantindo um ambiente mais seguro”, analisa a especialista.
Sobre o Código Civil
O atual Código Civil brasileiro entrou em vigor em 2002. A proposta de criação de uma comissão para a sua revisão partiu do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Com mais de dois mil artigos, o Código Civil regula todos os direitos relativos à personalidade do indivíduo e às relações em sociedade, incluindo temas como casamentos, contratos, heranças e direitos das empresas. A comissão é composta por 36 profissionais do ramo de direito. O grupo tem 180 dias para apresentar a Pacheco um projeto de lei com as novas propostas para o Código Civil. Esse prazo vence nesta sexta-feira (12 de abril).