
Nesta semana, duas falas vindas do Supremo Tribunal Federal (STF) acenderam o alerta sobre os limites do poder e os perigos de sua distorção. Os ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, ao discursarem em sessões e eventos públicos, deixaram escapar não apenas opiniões pessoais, mas indícios do pensamento que hoje parece nortear parte da mais alta instância do Judiciário brasileiro.
Gilmar Mendes, durante julgamento sobre a responsabilidade das plataformas digitais quanto ao conteúdo publicado por seus usuários, soltou uma frase estarrecedora: “Todos nós aqui admiramos o regime chinês.” Referia-se ao modelo digital de controle e à forma como a China, sob o comando do Partido Comunista, administra a internet e as redes sociais. Um regime conhecido mundialmente por repressão, censura, vigilância de massas, desaparecimento de dissidentes e cerceamento de direitos fundamentais.
É impossível não se arrepiar. Uma Corte que deveria ser a guardiã da Constituição de 1988, símbolo de uma nação que saiu das sombras da ditadura militar para a luz da democracia, admirar abertamente o modelo autoritário de Xi Jinping? Não se trata de uma divergência ideológica, mas de um choque com os princípios republicanos mais básicos. O que se viu foi um elogio ao opressor enquanto se fecha os olhos para o oprimido.
Já Barroso, por sua vez, ao falar em outro momento sobre o mesmo tema, chegou a justificar a censura como necessária, usando um discurso sobre o “perigo da desinformação” para defender que plataformas sejam punidas por conteúdos publicados por terceiros. A consequência lógica e desejada, ao que parece é que as redes comecem a remover conteúdos legítimos, por medo de retaliação judicial, instaurando um ambiente de medo, controle e autocensura.
O que está em jogo não é apenas um debate sobre regulação de redes sociais. É o próprio espírito democrático sendo testado por aqueles que deveriam defendê-lo com unhas e dentes. O STF, que em outros tempos simbolizou a resistência aos abusos de poder, parece agora trilhar o caminho de quem quer ditar o que se pode pensar, dizer e publicar.
Ao se inspirar na China para moldar a liberdade de expressão no Brasil, Gilmar Mendes revela mais do que uma opinião pessoal: expõe o risco real de que estejamos caminhando para um modelo onde a liberdade é tolerada apenas quando conveniente ao poder. E ao usar o argumento da “desinformação” para justificar censura, Barroso alimenta o paradoxo de quem diz defender a democracia, mas não tolera o dissenso popular.
Vivemos um tempo em que falar pode custar caro, especialmente se suas palavras desagradam à narrativa dominante. A censura, uma vez apenas lembrança de um passado autoritário, volta agora camuflada em toga, eloquência e aplausos de uma elite que não convive bem com a crítica.
Democracia não é unanimidade forçada, nem pensamento único. Democracia é, acima de tudo, tolerância com o que não se gosta de ouvir. E cabe a nós, como sociedade, vigiar aqueles que hoje nos vigiam para que, amanhã, ainda possamos falar. Me disperso pedindo a Deus que essa não seja a última vez que aqui escrevo.
Por: Uanderson Melo, jornalista, radialista e teólogo