
Em 2024, milhares de eleitores foram às urnas movidos não apenas pela esperança, mas por um profundo senso de frustração com gestões que prometeram transformação e entregaram desencanto. Prefeitos que não conseguiram a reeleição, muitos sequer passaram pelo crivo das convenções, agora, com uma presunção d
igna de nota, alçam novos voos. Tentam, como se nada tivesse acontecido, migrar para outras esferas do poder, lançando seus nomes como candidatos à Assembleia Legislativa de Pernambuco (ALEPE) e até à Câmara Federal.
A ousadia, ou melhor dizendo, a desconexão com a realidade, impressiona.
É impossível não lembrar do clássico mito de Ícaro. Segundo a mitologia grega, Ícaro era filho de Dédalo, um gênio da engenharia que construiu asas de penas coladas com cera para que ambos pudessem fugir da ilha de Creta. Advertido pelo pai a não voar alto demais para não se aproximar do sol, Ícaro, embriagado pela liberdade e pela sensação de poder, ignorou o aviso. O calor do sol derreteu a cera, e ele despencou do céu, morrendo afogado no mar.
Hoje, a política pernambucana está repleta de “Ícaros contemporâneos”. Prefeitos rejeitados nas urnas por uma população cansada de promessas vazias e gestões inoperantes, que agora acreditam que, com uma nova plumagem eleitoral, poderão novamente sobrevoar os céus do poder. São figuras que falharam em cuidar de suas cidades, mas que agora se colocam como alternativas estaduais ou nacionais.
A pergunta é: com que credencial? Com que autoridade moral?
O povo, que testemunhou de perto ruas esburacadas, escolas em colapso, hospitais abandonados, servidores desvalorizados e políticas públicas rasas, agora vê os mesmos rostos nos santinhos com novos slogans, como se uma tentativa de reinvenção bastasse para apagar os rastros do passado.
É preciso dizer com clareza: o eleitor não pode ser tratado como tolo.
O voto, mais do que um direito, é um instrumento de memória. E memória é o que mais tem faltado ao discurso desses ex-prefeitos. Eles contam com o esquecimento, com o velho “o povo tem memória curta”, e subestimam a inteligência coletiva. Esquecem que o verdadeiro julgamento não acontece apenas nas urnas, mas na consciência crítica que tem crescido em cada cidadão.
Este é o momento de reflexão.
O eleitor precisa olhar para cada candidatura com profundidade. Precisamos nos perguntar:
– O que essa pessoa fez com o poder que já teve?
– Qual legado deixou quando teve a chance de governar sua cidade?
– E por que, mesmo reprovado localmente, busca agora uma posição ainda maior?
A resposta pode estar no ego político inflado, na ambição desenfreada, ou, como no caso de Ícaro, na perigosa ilusão de que se pode voar cada vez mais alto, mesmo sem sustentação real.
Mas que fique o alerta: quem não ouve os sinais do povo, tende a cair. E, quando a queda vem, é sempre mais dolorosa para quem pensa que pode enganar a memória coletiva.
A história se repete, ora como tragédia, ora como farsa. Que em 2026, o eleitorado não permita que os “Ícaros rejeitados” se sentem em cadeiras legislativas como prêmio por suas más gestões.
Porque um povo sem memória é um povo condenado a viver as mesmas quedas. E os mesmos enganos.