
O debate sobre políticas públicas costuma ser dominado por especialistas em gestão, economia e direito. No entanto, há um grupo cuja contribuição é frequentemente subestimada: os intelectuais. Professores, pesquisadores, artistas e pensadores de diferentes áreas do conhecimento possuem uma capacidade singular de ler a realidade de forma crítica e de propor soluções inovadoras para os desafios sociais, econômicos e culturais que enfrentamos nas cidades. A aproximação entre o pensamento intelectual e a gestão pública é uma oportunidade valiosa e ainda pouco explorada para transformar o modo como construímos e executamos as políticas públicas no Brasil.
Apesar de historicamente influentes em processos de mudança e avanço social, muitos intelectuais se mantêm afastados das estruturas administrativas formais. E não é necessário que deixem seus espaços de atuação para assumir cargos comissionados ou funções executivas. Na verdade, a maior contribuição que podem oferecer às políticas públicas está justamente na sua autonomia crítica, no pensamento livre e na atuação independente, características que os tornam capazes de ampliar horizontes e desafiar lógicas burocráticas cristalizadas. Ainda assim, o distanciamento entre os mundos da gestão e da produção intelectual permanece como um obstáculo real, e superá-lo exige vontade política e abertura ao diálogo.
A gestão pública, muitas vezes envolta em rotinas técnicas e demandas imediatas, tende a priorizar soluções práticas de curto prazo. Por isso, integrar a escuta e a colaboração de intelectuais, mesmo sem vínculos formais, pode ser uma forma estratégica de qualificar as decisões e planejar com maior profundidade. Essa interlocução permite que gestores se apoiem em dados, pesquisas, análises históricas e visões interdisciplinares, enriquecendo suas ações com referências sólidas e ampliando a capacidade de resposta diante de desafios complexos.
Há caminhos concretos para que essa colaboração ocorra sem a necessidade de nomeações ou vínculos formais. Conselhos consultivos, articulações com universidades, editais para pesquisas aplicadas, fóruns de escuta qualificada, parcerias culturais e encontros regulares entre saber técnico e saber reflexivo são apenas algumas das possibilidades. O que se busca é uma aproximação que respeite os papéis distintos de cada campo, mas que promova uma atuação cooperativa, capaz de potencializar a gestão pública por meio da inteligência coletiva.
Essa integração fortalece a capacidade de análise crítica das políticas, antecipa riscos, amplia a participação social e permite que o planejamento seja mais ético, inclusivo e conectado à diversidade das realidades locais. E isso não exige que intelectuais abandonem seus espaços de criação e pensamento, ao contrário, seu valor está justamente em manter-se ativos nos campos acadêmico, artístico e cultural, contribuindo com ideias, estudos e provocações que inspirem novas práticas públicas.
A presença dos intelectuais na construção das políticas públicas não se dá, portanto, pela ocupação de cargos, mas pela influência do pensamento, pela produção de conhecimento e pela capacidade de fazer perguntas que ainda não foram feitas. Cidades que acolhem esse diálogo e reconhecem a importância dos saberes diversos se tornam mais preparadas para enfrentar problemas como desigualdade, exclusão educacional, crise ambiental, entre outros desafios contemporâneos.
Valorizar a escuta, o conhecimento crítico e a colaboração entre diferentes áreas é, hoje, uma das estratégias mais potentes para transformar a maneira como pensamos e fazemos gestão pública. Intelectuais não precisam ser gestores para impactar as decisões — mas gestores precisam, cada vez mais, considerar os intelectuais como aliados estratégicos na construção de políticas sustentáveis, criativas e justas.
Em tempos de crise, polarização e descrédito nas instituições, promover essa aproximação é um gesto de responsabilidade com o futuro das cidades. É possível, necessário e urgente construir pontes entre a reflexão crítica e a prática da gestão. Afinal, transformar a sociedade é também um exercício coletivo de escuta, coragem e pensamento comprometido com o bem comum.
Jairo Lima é membro da Academia Cabense de Letras, artista plástico e pós-graduado em gestão pública