
Recentemente, nos Estados Unidos, o ex-presidente Donald Trump declarou que grávidas “não devem tomar Tylenol” porque, segundo ele, há um “risco muito maior de autismo” associado ao uso do medicamento durante a gestação. Ele afirmou que o FDA notificará médicos para que recomendem fortemente que gestantes limitem o uso do Tylenol — cujo princípio ativo é o paracetamol — “a menos que seja clinicamente necessário”, como em casos de febre. A fabricante do Tylenol, entretanto, nega que haja evidência confiável para vincular o paracetamol ao autismo, afirmando que pesquisas rigorosas ao longo de mais de uma década apoiam o uso seguro, quando necessário, e que sem essa opção gestantes poderiam se deparar com escolhas perigosas, como suportar febre não tratada ou recorrer a alternativas com risco maior.
Esse episódio ilustra bem como a automedicação, ou mesmo o uso aparentemente corriqueiro de remédios de venda livre, pode ganhar dimensão de risco quando atravessa uma fronteira: de uso comum para uso desinformado ou excessivo, especialmente em momentos de vulnerabilidade como a gravidez. Ele nos obriga a perguntar: até que ponto confiamos que remédios “seguros” sejam, de fato, seguros em todas as circunstâncias?
No Brasil, a automedicação já é prática significativa. Estimativas apontam que mais de 16% da população automedica regularmente; em determinadas situações, esse percentual sobe muito. São comuns os casos de pessoas recorrendo a analgésicos, anti-inflamatórios, remédios para resfriados, antibióticos, com pouca orientação especializada. O mercado farmacêutico nacional acompanha esse fenômeno: milhares de farmácias em funcionamento, faturamentos bilionários, vendas mensais e anuais altíssimas, e bilhões de embalagens de medicamentos comercializadas por ano — tudo isso cria ambiente propício à normalização do uso de remédios como primeira resposta a dor, febre ou desconforto.
O paradoxo é que, mesmo com tanto remédio ao alcance, muitos permanecem doentes, com doenças crônicas, com diagnósticos tarde demais, com complicações evitáveis. A automedicação pode mascarar sintomas, atrasar que se busque um diagnóstico médico, e gerar danos colaterais — físicas ou químicas — que podem ser evitados. Além disso, como mostra o caso do Tylenol/paracetamol, existem debates científicos ativos sobre segurança em condições específicas (como gravidez), o que demonstra que não há remédio absolutamente “sem risco” em todas as situações.
Há, porém, alternativas menos agressivas e complementares que merecem atenção. Medicina integrativa, terapias naturais/fitoterápicas bem estudadas, técnicas mente-corpo, mudanças de estilo de vida (sono, alimentação, exercícios, controle do estresse), terapias como acupuntura e práticas complementares podem aliviar sintomas, prevenir agravamentos e melhorar qualidade de vida com menor risco de efeitos adversos ou dependência. Quando usadas com orientação adequada, essas alternativas podem funcionar bem, sobretudo em casos leves ou moderados, ou mesmo como complemento ao tratamento convencional.
O remédio certo, na dose certa, no momento certo — com conhecimento dos riscos — é diferente de remédio como resposta automática. Debates como o provocado pela notícia sobre o Tylenol mostram que precisamos levar em conta contexto científico, gestação, condição pessoal, probabilidade de risco e benefícios, não agir por senso comum ou medo. Remédio cura, mas pode adoecer quando usado errado — e a responsabilidade é compartilhada: entre quem prescreve, quem fabrica, quem informa e quem usa.
Jairo Lima é artista plástico, escritor e poeta