
A recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que condena os jornalistas Octávio Costa, presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), e Tábata Viapiana a indenizarem em R$ 150 mil o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), marca um ponto de inflexão preocupante na trajetória da liberdade de imprensa no Brasil.
A condenação, relacionada à publicação da reportagem “Negócio Suspeito”, veiculada pela revista IstoÉ em 2017, não apenas contraria decisões anteriores de primeira e segunda instâncias – que reconheceram a legitimidade e o caráter informativo da matéria – como representa um gesto simbólico de intimidação, vindo de uma das mais altas cortes do País.
O episódio ganha contornos ainda mais inquietantes pelo fato de que o relator do caso, ministro Villas Bôas Cueva, inicialmente rejeitou o recurso de Gilmar Mendes de forma monocrática, mas quase quatro anos depois, e sem que qualquer novo fato fosse apresentado, mudou completamente seu entendimento. Em nova análise, alegou que a reportagem estaria “permeada de ironias e insinuações” contra o ministro, argumento que convenceu outros quatro magistrados da Corte a acompanhá-lo na decisão de condenação.
Mais do que o valor monetário, o que se estabelece agora é um perigoso precedente judicial: o de que jornalistas podem ser duramente punidos — inclusive de maneira pessoal — por reportagens que envolvam membros do Judiciário, mesmo que amparadas por documentos e elementos investigativos, como reconhecido pelas instâncias inferiores.
A decisão fere diretamente a missão da imprensa de fiscalizar os Poderes e zela por uma sociedade democrática. Quando um jornalista é condenado por informar, com base em documentos, fatos que envolvem autoridades públicas, abre-se uma brecha grave para a censura velada e para o silenciamento da crítica.
Ao atingir Octávio Costa, presidente de uma das instituições mais emblemáticas da história democrática brasileira, a ABI, o STJ sinaliza um alerta vermelho à sociedade: os jornalistas não apenas podem ser punidos por cumprir seu dever, mas também devem temer os efeitos colaterais de reportar sobre quem detém poder.
É imperativo que essa decisão seja amplamente debatida, questionada e, se possível, revertida. A liberdade de imprensa não pode ser subjugada ao conforto das autoridades. O papel da mídia livre e crítica é, e sempre será, desconfortar o poder em nome do interesse público. E quando isso é ameaçado, toda a sociedade perde.
Por: Uanderson Melo, jornalista, radialista e teólogo