A Segunda Câmara do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE) reconheceu a existência de “fortes indícios de conluio” em uma licitação milionária realizada pela Prefeitura de São Bento do Una, para a aquisição de kits de robótica destinados às escolas municipais. Por unanimidade, os conselheiros determinaram, na última quinta-feira (21), a suspensão do contrato e a abertura de uma auditoria especial.
A decisão, relatada pelo conselheiro Ranilson Ramos, foi acompanhada pelos conselheiros Marcos Loreto e Dirceu Rodolfo, além do representante do Ministério Público de Contas, Guido Rostand. Segundo o relator, o caso apresenta “graves irregularidades” e ocorreu em pleno período eleitoral, levantando suspeitas de superfaturamento e direcionamento.
Entenda o caso
Em junho de 2022, a Prefeitura, sob a gestão do prefeito Alexandre Batité (MDB), lançou uma licitação para adquirir 200 kits de robótica, com valor total estimado em quase R$ 3 milhões. Apesar da complexidade do objeto, o prazo para apresentação de propostas foi o mínimo permitido por lei: oito dias. Apenas uma empresa participou e venceu o processo.
Embora a licitação tenha sido realizada em 2022, o contrato só foi firmado mais de um ano depois, em período eleitoral, com pagamento inicial de mais de R$ 500 mil. A Prefeitura nunca havia firmado contrato anteriormente para a entrega dos kits.
Denúncia aponta superfaturamento e conluio
A denúncia que desencadeou a investigação partiu do vereador Sidcley do Hospital (PP), que protocolou o caso no TCE-PE. Segundo o parlamentar, enquanto o valor unitário de cada kit na licitação foi de R$ 9.500, outras prefeituras adquiriram equipamentos similares por preços muito menores, variando entre R$ 183 e R$ 2.557, conforme registros no Portal Nacional de Compras Públicas.
Além do superfaturamento, a denúncia revelou que a mesma empresa venceu licitações em pelo menos cinco outras cidades, incluindo Sanharó-PE, Custódia-PE e Águas Belas-PE. Em todos os casos, os termos de referência das licitações eram idênticos, o que, segundo especialistas, é um forte indicativo de conluio.
Prefeitura admite irregularidade e rescinde contrato
Diante das evidências apresentadas pelo vereador, a Prefeitura inicialmente defendeu a contratação, mas depois reconheceu a irregularidade e rescindiu o contrato, justificando que os valores eram “muito onerosos”. Mesmo assim, o conselheiro Ranilson Ramos ordenou a auditoria para apurar o desvio de recursos públicos e as razões que permitiram a irregularidade.
Situação das escolas agrava denúncia
A precariedade da infraestrutura educacional em São Bento do Una torna a denúncia ainda mais grave. Dados do Censo Escolar do INEP/MEC mostram que o município possui 25 escolas, sendo 13 localizadas na zona rural. Muitas delas não têm laboratório de ciências ou informática, e menos da metade das unidades têm acesso à internet, essencial para o uso dos kits de robótica.
Além disso, apenas 23% das escolas rurais têm acesso à água encanada, e a maioria depende de fossas comuns para o esgoto. Para os conselheiros do TCE-PE, a situação reforça a necessidade de maior transparência na gestão de recursos públicos e prioridade em atender às necessidades básicas das escolas.
Com a auditoria em andamento, o caso levanta discussões sobre a utilização de verbas públicas em um dos municípios que ainda enfrenta desafios estruturais na educação básica, enquanto milhões de reais eram direcionados a contratos sob suspeita.