Considerada fonte de arrecadação e de alegria nos estádios, as torcidas dos times pernambucanos são também vítimas e muitas vezes protagonistas da violência que está imperando em dias de jogo. Visando refletir e buscar uma solução para esse problema que enfraquece o futebol local, gerando insegurança, afastando as famílias dos estádios e causando até mortes de torcedores, o vereador Rinaldo Junior (PSB) realizou audiência pública na tarde desta terça-feira (20). O parlamentar reuniu dirigentes de clubes, representantes do poder público, do Ministério Público e de torcidas organizadas para debater o tema “a violência no futebol e a identificação dos torcedores nos estádios”.
Entre os participantes da audiência pública estiveram o presidente da Câmara, Romerinho Jatobá (PSB); o vereador Ivan Moraes (PSOL); a vereadora Liana Cirne (PT); o promotor do Torcedor, José Bispo de Melo, do Ministério Público de Pernambuco; o representante do Juizado do Torcedor do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), Flávio Augusto Fontes de Lima; o coronel Hélio Santos, da Polícia Militar de Pernambuco; o representante da torcida do Sport, Carlos Ramos; do Santa Cruz, Cláudio Júnior; e da torcida do Náutico, Arthur Vitor.
O vereador Rinaldo Junior é autor do projeto de lei (PLO) número 102/2023, que está tramitando na Câmara Municipal do Recife. O PLO dispõe sobre a identificação dos torcedores nos estádios de futebol no Município do Recife e determina que os clubes e entidades gestoras dos estádios de futebol promovam a identificação dos torcedores e frequentadores de estádios.
“O Congresso Nacional aprovou a Lei Geral dos Esportes [LGE], que consolida a atividade esportiva em um único texto, aprovada em 14 de junho. No artigo 178, a LGE regulamenta e existência das torcidas organizadas e a punibilidade de seus membros. O artigo torna legítima a reunião de torcidas em suas entidades”, afirmou o vereador. Rinaldo Junior ainda se disse preocupado com a proporção que a violência vem tomando. “As torcidas estão cada vez mais assustadas com a violência que os noticiários esportivos e a mídia nacional nos mostram a cada jogo em nosso estado. Por isso queria ouvir, sobretudo, os componentes das torcidas. Tenho certeza de que todos que aqui estão defendem a paz nos estádios e sabem que lugar de torcedor é dentro dos estádios”.
Na audiência, Ivan Moraes afirmou que as torcidas organizadas não são a causa da violência no esporte e analisou o papel de outros fatores para a ocorrência de conflitos, como a postura das forças policiais frente aos torcedores. “Eu acredito muito na capacidade que nós, seres humanos, temos de resolver isso. A violência que é realizada no futebol não é do futebol. Ela é uma violência que tem origem na masculinidade tóxica”, disse. “A violência que está relacionada no futebol raríssimas vezes acontece no interior do estádio. Vemos autoridades e governos jogando para a torcida e que acha que botando regra do que pode ou não acontecer dentro dos estádios vai mudar alguma coisa, vide os anos em que a gente não podia beber cerveja dentro dos estádios”.
Presidente da Câmara do Recife, o vereador Romerinho Jatobá também participou do debate. Ele afirmou não ser contra as torcidas organizadas e cobrou rigor na punição a quem pratica atos de violência nos arredores dos estádios. O presidente falou, ainda, da necessidade de criar um ambiente propício para que o torcedor, inclusive o não organizado, se sinta seguro para frequentar o estádio. “A partir do momento em que as pessoas estão sendo presas e se torna recorrente, é preciso ter uma punição maior”, disse. “O debate e a confusão são fora do estádio e a gente precisa ter atitudes enérgicas”.
A vereadora Liana Cirne classificou as organizadas como “o coração do estádio” e pediu ações focadas na inteligência para enfrentar crimes de indivíduos que se associam nas redes sociais para praticar crimes em dias de jogo, e não nessas torcidas. “Quando eles estão com a bateria, tocando, o coração da gente vibra. É uma energia coletiva, uma vibração que se materializa. O que faz as pessoas irem ao estádio é viver essa energia coletiva, que é forte”, relatou. “O Ministério Público sabe, a Segurança Pública sabe, o Judiciário sabe que isso [a prática de crimes] está sendo combinado nas redes sociais. Não é dentro do estádio que isso está sendo combinado”.
O promotor José Bispo de Melo pontuou que a extinção oficial das torcidas organizadas foi ocasionada pela ocorrência de episódios de violência e criticou a falta de informações sobre o cadastro de seus associados. Na ocasião, ele teceu, também, considerações sobre o projeto de lei de identificação de torcedores que tramita na Câmara. “Eu não conheço o projeto, mas não sei quem vai pagar essa despesa. O valor não é ínfimo. Qualquer coisa que apareça no sentido de melhorar, de combater a violência e der mais condições às autoridades constituídas – Poder Judiciário, Ministério Público – e o torcedor, que é o mais importante, que se possa viabilizar”.
O juiz do Torcedor, Flávio Fontes de Lima, defendeu a existência das organizadas e afirmou que há uma previsão de diálogo sobre o assunto. Ele disse considerar a tecnologia de reconhecimento facial mais vantajosa que a de outras formas de identificação, como a biometria. “Desde 2003, com o Estatuto do Torcedor, a torcida organizada é prevista, é legal. Eu acho a torcida organizada algo saudável. Há um plano nosso para o segundo semestre de conversar com as lideranças no próprio Juizado do Torcedor. Acho que quem faz parte de uma torcida organizada, como quem faz parte de uma igreja, não pode ser marginalizado”.
Durante a audiência, os representantes das torcidas organizadas cobraram diálogo e a inclusão desses setores sociais em espaços como o Grupo de Trabalho Futebol, da Secretaria de Defesa Social do Estado (SDS). “A gente estava precisando disso: a torcida organizada ser ouvida. Acho que está faltando diálogo com as autoridades e o poder público. Só ouvimos falar de violência, mas a torcida organizada vai além disso. A festa que a gente realiza nas arquibancadas, nas sociais, a mídia não mostra”, indicou Carlos Ramos, da torcida do Sport Club Recife.
“Falta diálogo entre as três torcidas, o Ministério Público, a SDS, o policiamento militar. Há ignorância, há arrogância na forma como a Polícia Militar vem tratando [a questão]. As três torcidas se juntando com a SDS, com a Polícia Militar e com os vereadores podem fazer um trabalho conjunto, procurar uma forma melhor”, acrescentou Cláudio Júnior, torcedor do Santa Cruz Futebol Clube.
“Além do diálogo, as torcidas precisam entrar no grupo de trabalho [da SDS]. A gente precisa entender e participar”, completou o representante da torcida do Clube Náutico Capibaribe, Arthur Vitor. “Estamos na teoria de que vai ter esse cadastramento. Mas a gente precisa ter uma contrapartida para passar aos nossos associados de que a gente vai revogar a extinção das torcidas organizadas”.
Coordenador de planejamento operacional da Polícia Militar, o coronel Hélio Santos disse que cerca de 200 policiais militares são mobilizados por partida, havendo registro de partidas recentes com mil policiais atuando na operação desse tipo de segurança em Pernambuco. Ele se mostrou favorável à inclusão de representantes de torcidas no Grupo de Trabalho Futebol da SDS e, também, à implementação de novas tecnologias de reconhecimento e controle nos estádios. “Acredito muito que as tecnologias podem nos ajudar. A gente vê que a gente demorou um pouco para aceitar o VAR [sigla em inglês para Árbitro Assistente de Vídeo], e por que não o reconhecimento facial nos estádios? Por que não conseguir comprar o ingresso de forma eletrônica, em que já se faz um cadastro também? Isso ajudará muito”.
A audiência também contou com a participação de autoridades e cidadãos presentes no plenarinho para o debate. Para a discussão, contribuíram o Secretário de Segurança Cidadã do Recife, Murilo Cavalcanti, o especialista em tecnologia de reconhecimento facial Alessandro Estrada e representantes de torcedores.
Ao final do evento, o vereador Rinaldo Junior listou alguns dos encaminhamentos que devem constar na ata da audiência. Dentre eles, estão criar uma Comissão Interpartidária na Câmara para debater a violência no futebol, as tratativas para a entrega dos cadastros dos integrantes das torcidas ao Juizado do Torcedor, e a participação das torcidas organizadas no Grupo de Trabalho Futebol, da SDS.